O amor é cego (e intenso)

por Vinícius Mendes

No Rio de Janeiro

Todas as placas de trânsito indicam, ansiosas, que em algum momento se chegará a Copacabana. Não há como evitá-la — e, então, só acontece. Ali, enfim, o Brasil encontra sua própria metáfora: o taxista presencia o menino furtar um celular e vocifera seu desejo inequívoco de espremê-lo na lataria do ônibus. Do outro lado, na calçada portuguesa, bolivianos regressam a sua terra ancestral agora para vender bugigangas aos turistas. Dois homens enriquecem solitários om o ouro alheio nas margens do forte enquanto, aos pés de Carlos Drummond de Andrade, um mendigo também decide dormir de costas para o mar. O sol das cinco horas é bonito, mas as pessoas sacam os celulares mesmo é para fotografar um pelotão militar que cruza a orla berrando seus cânticos de guerra. O antigo edifício do poeta é um dos poucos lugares onde ainda há silêncio. As placas de Copacabana passam a sugerir Botafogo, mas insisto no Leblon. Desço no número 234 da Carlos Góis e percorro lentamente um caminho imaginário de João: o Restaurante Degrau, alguma banca de jornais vinte e quatro horas, o Bracarense, uma velha galeria de lojas, as lanchonetes fundadas junto com a Bossa Nova. Acho que foi Ruy Castro quem disse que João Gilberto foi visto falando sozinho pelas ruas da Cinelândia antes de voltar a Juazeiro e reinventar a identidade do Brasil. Seu sonho era topar aleatoriamente com Drummond e levá-lo para o apartamento da Joaquim Nabuco. Já eu estou ali porque sonhara encontrar Caetano Veloso e lhe dizer que o tropicalismo é mais latino-americano que brasileiro — ou então que o amor é cego, mas também intenso, e que esse país só se ama ou se odeia, sem dialéticas. O Rio é incrível, me confessa Valter Hugo Mãe antes de desaparecer na multidão. As placas já me levam para o outro lado da montanha. Um carro para o trânsito para fotografar a porta monumental do Vivendas da Barra. Um policial se exaspera com o caos. No alto, cercado pelas casinhas do Cantagalo, pelas preces paralelas, pelos repórteres da The Economist e pelos helicópteros de voos rasos, o Cristo não desiste — de uma rua qualquer, na verdade, ele parece fazer o apocalipse se cumprir. Todo dia.