NOTAS DA PATERNIDADE IX

por Vinícius Mendes

— Estranha sensação de que não há tanto mundo assim para dar conta da ansiedade em descobri-lo. Ou, mais ainda, de que todas as coisas estão presas a um punhado de lógicas inevitáveis — que tudo são muitíssimas variações delas. Para mim, é uma descoberta dolorosa. Para Flora, cada detalhe é magnífico.

— Tudo muda quando os bebês descobrem uma dessas lógicas e passam a correlacionar todos os movimentos. É a queda de um mistério. O beijo no rosto leva ao sorriso imediato da mãe. O botão apertado põe algo para funcionar e, enquanto a bola lançada afeta instantaneamente todo o lugar, é quase sempre certo de que o aceno a um desconhecido na rua será retribuído. “A” permanece bonito por si só, mas agora tem sentido mesmo quando faz “B” acontecer. O mundo fica mais previsível e intrigante ao mesmo tempo.

— (David Hume escreveu que não há como provar a existência das correlações e que a explicação mais possível para o encadeamento dos fatos é a nossa capacidade de percebê-lo. “O mundo, minha filha, é mais intrigante do que previsível”.)

— Diálogo com Ana Carolina no metrô: “Tive uma ideia: todo fim de ano vamos levá-la a um lugar que ela tenha visto antes nos livros da escola. Quando ela estudar História antiga, vamos para o Cairo. Filosofia ocidental, Atenas. Escravidão, Minas Gerais, Luanda, Cartagena, Londres. No ano do Século 20 vamos passar 20 dias em Havana — e outros 20 em Moscou. Meu Deus, como o mundo é enorme! Na Revolução Francesa vamos a Paris. Quando ela ler Cortázar, temos que ir ao Café London. Vamos começar a pesquisar cidades do Vietnã, do Japão, da África do Sul, dos países do Leste…”.

— E são tantas coisas, tantos movimentos, regras, possibilidades, limites, chegadas e saídas, pessoas e objetos, o mundo inteiro passando lentamente pela janela do carro, toda a maquinaria de padrões para se adequar, que os bebês desejam regressar para o começo de tudo: a barriga da mãe, o primeiro colo do pai, o afeto inexplicável das avós, o silêncio do quarto de dormir. É quando essa matemática da vida (sair do mundo-ir ao mundo-sair do mundo-mundo mistério) se estabelece, sempre com angústia. Para os bebês e para nós.